quinta-feira, 19 de outubro de 2006

London e suas viagens pela América perdida

Jack London é um dos meus preferidos. Seus romances parecem-nos hoje exemplo típico de que um bom escritor pode passar o resto de seus dias (re-) escrevendo um único livro. O que lemos são seus ‘apócrifos’ autorizados (- Licença, Greg: estou usando uma imagem sua).

Dentre os livros recentemente traduzidos, publicados e de maior acessibilidade de London, foi lançado De vagões e vagabundos: memórias do submundo (col. L&PM pocket), coletânea de contos e ensaios em que se ressalta ainda mais o tom autobiográfico de sua prosa, tão presente em Martin Eden ou em O Lobo do Mar.

Em “O Herege”, o jovem, precoce e asfixiado Johnny, primogênito e arrimo de família, resolve sair dos eixos e declara sua independência, abraçando a estrada dos vagabundos.. Em “De vagões e vagabundos”, ele narra casos vividos nos trilhos de trem: luta incessante entre vigias, maquinistas e os clandestinos em meio às paradas da locomotiva, escapadas, espancamentos.

Nos contos “Na gaiola – uma experiência na prisão” e “A prisão”, uma descrição sem concessões do sistema judiciário e carcerário, a ponto de inserir-se em cenas de extorsões, linchamentos, tráfico de influência e por aí vai. Para o leitor do Brasil 2000, nada mais próximo.

Neste livro, aparece o tema da experiência e aprendizagem do homem através do enfrentamento (nada ameno) contra a Natureza. Em certos textos, essa força anímica vinha transmutada como status social, temível vilão, mascarado sob variadas formas: a mãe, um capataz, um patrão, um juiz, um policial, um guarda-freios, um capitão de navio, a montanha, o Inverno, o Mar, (para London, a vida marítima representava a experiência definitiva de vida para o homem em formação). A esta marginalidade, os cenários e paisagens são outras personagens de seus contos (o deserto, as montanhas Rochosas, a prisão, as fábricas, etc), pois funcionam como arena onde o homem digladia para sobreviver.

Sua visão trágica da América de 30 é fruto de seu engajamento político e ideológico, o que o aproxima de escritores como John Reed e George Orwell. Em “Como me tornei socialista”, sua percepção ácida sobre as relações trabalhistas durante a conturbada década da Depressão é permeada de profundo rancor à exploração violenta da mão-de-obra assalariada, seja em quais níveis sociais forem. As mulheres, segundo sua ótica, não tinham a menor possibilidade de superarem uma relação social sem o uso coercivo do sexo: “As mulheres também, nas ruas ou na sagrada relação do casamento, estão prontas a vender seus corpos. Todas as coisas são mercadorias, todas as pessoas compradas e vendidas”. Logo, aqueles que não conseguem vender-se mais, abrigo e comida não lhes são possíveis e, sem isso, eis os proscritos.

Na história do Brasil, o fenômeno ocorre às tantas, sem o devido tratamento: de fato, são praticamente inexistentes políticas e práticas sociais voltadas ao viajante/migrante incidental. Muda o nome; o problema, não: bóias-frias, os sem-terras, índios, quilombolas, catrumanos. A temível ignorância a que Riobaldo se refere, em episódio de Grande Sertão: Veredas. Embora a vida nômade seja atrativa e realização de ímpeto escapista (daí a aventura), o preço a pagar por esse povo, segundo London, é perder juntamente com a impossibilidade de trabalho sua identidade. Bem, não pode haver verdade maior...

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei da foto, mas quedê os comentários?