segunda-feira, 18 de março de 2024

rascunho de conversas ouvidas no ônibus em um fim de ano

- Miga? Folgo vê-la. 
Que bom que a vejo agora sem jeito
Senta aqui comigo e junto por hora
As mágoas todas que a gente chora
Que remédio algum ainda faz efeito. 

- E eu, miga:
nem te conto mas ouve.
Todo o ano é a mesma história 
Sigo sendo lesbos do Natal na ceia
Meia não sempre irmã me humilha 
Serve selfie que toda me escanteia
Aquelazinha metida a santa do escroto
Que me pisca o cunhado pela mesa.
 
- E eu, miga? 
Meu pai pega e por nada não avisa
A tal madras lhe é tão astra
Não vê nem sente me invisibiliza
Custava ele estender o braço 
A bela duma figa dum amasso
defender esta princesa?

- E eu, miga? 
Sô tão fina que passo o rodo 
Nos amigo secreto da firma
a gente bebe e esquece todo
para não botar algum defeito
Apesar da foto ser aquela lua 
Tão linda de meu rosto inteiro.

- E eu, miga: 
Faço coach em hotel de fim de semana
Pago de quatro pila lá fico toda arrebitada 
e desenvolta deixo plantar para fazer bonito 
Cabeção de ouro nesta bela guerreira.

- E eu, miga? 
Perdoei o ex babaca que stalkeia 
Pegou geral nas minhas cadeiras
Diz ele que não quero
O erro pontual que me incendeia. 

- E eu, miga? 
Roadie de banda meu cavaleiro andante 
Quando chega esqueço tudo quanto vejo 
Sem problema ser homem feio tal desejo
Basta ele parar - e me cavalgar - somente 
De cantar e ciscar em terreiro distante.

- E eu, miga? 
Pago e faço de minhas contas 
que no final destas dores certa
Tava sempre o tempo todo
Faltava só na legal marcada  
O match o que me ponteia.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Diante da janela

Nesses tempos de quarentena, resistimos como podemos, desiguais, desinfelizes. Trabalha-se, muito, a despeito da falta de emprego. Se não são as mãos ocupadas com algo, é a mente, a imaginar cenários e mundos diferentes, futuros. Esse é o efeito de se ter o espaço confinado: sobra-se na gestão do tempo. Um quintal, um privilégio para alguns. Uma sacada, um lenitivo para outro. A soleira da porta, nem isso para muitos. Assim, todos ficam matutando seu plano de fuga, o plano B. Nessas circunstâncias, ler um livro, assistir ao um filme, cuidar de um jardim ou uma horta, consertar algo ou simplesmente olhar a janela devem ser coisas bem valorizadas e tornam-se uma maneira interessante de promover essa escapada, em meio à satisfação das necessidades básicas da existência, cuja importância foi imperiosamente resgatada nesse momento.

Uma das leituras que nos cai em mãos a trazer essa perspectiva é a obra Pequenas alegrias (1977), livro póstumo do escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962), em uma tradução já antiga de Lya Luft. Ele tomará a contemplação como a ação motora de sua escrita, como alguém que mira o horizonte, belo ou feio, transcendendo-o sobretudo. No texto que abre essa coletânea de textos curtos, mas precisos, ele recomenda o amor às coisas e aos prazeres simples e a uma vida de comedimento. Ele reconhece a forte influência da vida moderna e o peso que isso nos traz, em que mesmo os momentos de lazer são aproveitados como um trabalho e, segundo ele, “(...) resulta sempre mais diversão e menos alegria”. Contra a pressa e a urgência pela fruição do tempo como “O máximo rendimento possível, com a maior rapidez possível”, ele recomenda “um remédio particular, antigo, infelizmente bem retrógado: prazer comedido é prazer dobrado. E não ignorem as pequenas alegrias”.

Viver assim, segundo ele, seria evitar acompanhar as tendências e novidades de nosso tempo com avidez e fome. Evitar o último lançamento de livro, a última estreia no teatro, a galeria de arte com os quadros mais comentados. Ao invés disso, Hesse propõe que nos dediquemos aos prazeres pequenos, mas bem mais satisfatórios e duradouros: o contato com a natureza, a frugalidade de se aproveitar uma leitura com o devido tempo, e não engolida pelo regime de leitura em série. Em outras palavras, equivalentes aos dias de hoje, nada de “maratonar” séries. Para tanto, ele estipula um rigoroso exercício de abrir os olhos. Aparentemente ligado a esses temas ditos pequenos, em uma literatura tida como regional, acaba por tratar de grandes temas: 


“Um pedaço de céu, um

muro de jardim coberto por ramos verdes, um cavalo vigoroso, um bonito cão, um

grupo de crianças, uma bela cabeça de mulher – tudo isso não nos pode ser

roubado. Quem começou, pode ver coisas preciosas numa caminhada, sem perder um

minuto de tempo. E essa contemplação absolutamente não cansa, mas fortifica e

repousa, e não só aos olhos. Todas as coisas têm um lado expressivo e outros

desinteressantes ou feios; basta querer ver. E, com a visão, vem a alegria, o

amor, a poesia.”


Assim, ele nos convida, nessa pequena reunião de textos de várias épocas de sua vida, que consistem em crônicas, relatos de viagens, registros de diário e cartas (aliás, era um exímio missivista: sua correspondência, trocada com quem quer que fosse – jovens entusiastas de seus textos, escritores iniciantes e veteranos, parentes e amigos – a exercitar o olhar. Uma caminhada pelas montanhas e charnecas. Um dia à beira da janela de sua casa, descrevendo o movimento da praça central do vilarejo. Um dia defronte a um único quadro, durante uma visita a um museu. O trabalho árduo sobre um jardim bem cuidado, no início da primavera. A passagem da paisagem pela janela de um trem em movimento. 

Nascido no vilarejo de Calw, em uma família de missionários pietistas que o preparavam para a vida dedicada à religião, Hesse, com uma sólida formação inicial que incluía o latim e o grego, por exemplo, abandona o cristianismo e a universidade, para se dedicar exclusivamente à escrita literária. Essa inadequação faz com passe por sessões de psicanálise, permeada com crises de depressão e tentativas de suicídio. Para sobreviver, trabalha como padeiro, operário e livreiro. Exercendo essa profissão, escreve seu primeiro romance, Peter Camenzind (1903), que faz sucesso.

Nesse meio tempo, também realiza viagens, pelo Império Austro-Húngaro, pela Itália e pela Suíça, para onde se muda em definitivo em 1912, e se naturaliza em 1923. Em 1911, realiza também uma viagem marcante para a Índia, a fim de encontrar a terra onde seus pais foram missionários, mas ali encontra o budismo e as religiões orientais. Essa experiência rendeu muitos frutos, entre os quais o romance Sidarta (1922), baseado em sua viagem em meio a passagens da vida de Buda. Esta viagem e a Primeira Guerra Mundial iriam marcar os temas de suas obras. Sua leitura do budismo, além de uma aproximação das teorias de Nietzsche, e da psicanálise de Carl Jung, vão influenciar a abordagem dos temas de seu tempo: o fim do Império Prussiano e a República de Weimar, períodos durante os quais a juventude de língua alemã vai se reconhecer em seus livros como se fossem o retrato panorâmico de uma crise de valores, bem descrita no livro O lobo da estepe (1927).

Hesse tornou-se muito lido entre seus pares, pois traduzia os sentidos e sentimentos do momento conturbado da história daquela região e da Europa. Apesar de seus personagens serem um alter ego bem alinhado com os seus próprios conflitos pessoais (emocionais, afetivos e conjugais), na forma de um homem de meia-idade em crise, sua literatura é apreciada, sobretudo, pelos jovens adolescentes.

Já durante a ascensão do Hitlerismo, ele se tornou um ardoroso crítico dos nazistas, o que fazia à distância, na Suíça. Mesmo sendo o medalhão da literatura de língua alemã à época, com seus livros entre os mais vendidos, essa abordagem transcendente e seu ativismo contra o regime totalitário lhe renderam antipatia interna e externa como um escritor popularesco. No entanto, isso o identificou como escritor de resistência, também incentivador da abertura da literatura contemporânea mundial para traduções em alemão logo depois da Segunda Guerra Mundial. O reconhecimento dessas ações ocorre quando foi laureado em 1946 tanto com o Prêmio Goethe como com o Nobel de Literatura. Nos anos que se seguem, ele deixa de ser um autor de referência.

Nos anos 1960 e 1970, Hesse foi resgatado por autores beatniks e hippies, com várias traduções em inglês nos EUA. Daí, para sua chegada em terras brasileiras, foi um pulo. Um dos seus romances mais importantes, O lobo da estepe, foi adaptado para o cinema, e influenciou canções e até nome de banda Leitor contumaz de Goethe, seu estilo literário pode ser explicado por meio de um trecho retirado, de um de seus textos, sobre a observação das borboletas: “Todas as coisas visíveis expressam algo, toda a natureza é imagem, é linguagem e uma colorida escrita hieroglífica”. A literatura é novamente usada como meio de superação e cura para os males da alma e do tempo. Também é voltada à luta contra as ameaças à economia predatória, ao trabalho precarizado no contexto tecnológico, à  ciência e ao gosto pelo saber; sobretudo, contra o autoritarismo. Relendo o trecho pouco antes de publicar esse texto, percebo que parece ando falando de novo sobre as mesmas coisas. Mas certos assuntos não têm com se contornar, não é mesmo? Por isso, essa leitura veio muito a calhar para os tempos atuais. 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Nicésio ou Nicézio: origens 2

 Segunda hipótese: Enrico Nicésio nasceu Al-Rakah Sharif, na cidade de Damasco, em pleno Império Otomano, em 1818. Foi trazido muito jovem à Veneza, vindo em uma galera comercial. Trabalhando muito jovem no porto italiano, morando nas ruas, foi adotado por Francesco Nicézio, que lhe ofereceu trabalho e moradia, tendo servido a essa casa por mais de uma geração. Quando houve a dissolução dos reinados da casa de Florença e do Ducado de Mântua, a família se desfez e perdeu os títulos de nobreza. Mas Enrico, que manteve o sobrenome, decidiu embarcar com algumas economias nos navios que rumavam para o Brasil, em busca de oportunidades. Chegando ao porto de Santos, registrou-se como João Henrique Nicésio, e rumou em direção ao Triângulo Mineiro e às plantações de café imperial de Ernesto Barão, famoso fazendeiro da região da Serra da Canastra e Rio Grande. Depois conseguiu arrendar terras para o plantio sua própria responsabilidade. Criou os filhos na região, que migraram para o Paraná, em busca de outras oportunidade em torno do café. Morreu em 1919, na primeira onda da gripe espanhola.

Nicésio ou Nicézio: origens 1

 Primeira hipótese: Dario Claudio Nicezio, nascido em data desconhecida, filho de hussardo francês de "La Grande Armée" com uma dama de companhia da corte de rei Joaquim Murat em seu exíguo reinado, tornou-se membro da sociedade secreta "Giovine Itália", onde travou conhecimento íntimo com Giuseppe Garibaldi. Devido à Carbonária, estando do lado derrotado, também teve que se exilar, mas no Marrocos. Por outras vias, sobrevivendo a um naufrágio, ficando como um dos únicos náufragos sobreviventes resgatados de que se tem registro nos rochedos São Pedro e São Paulo, foi resgatado por um brigue inglês com carta de corso em direção ao Brasil em 1835, chegando um pouco antes do próprio Garibaldi. Ao se reencontrarem no Rio de Janeiro, decidem seguir separadamente para apoiar a Revolução Farroupilha. Mas, no andar da guerra, diferentemente do famoso colega de armas, foi capturado e dado como morto. Tempos depois, foi solto e caiu nas graças de um estancieiro, Coronel Epaminondas, da República Juliana, que havia comprado terras nas Minas Gerais. Confiando a propriedade e a mão de sua afilhada Maria Conceição Figueiras (que poderia ser uma filha bastarda), seguiu para a região da comarca de Divinópolis, onde firmou residência. Com a dissolução do império, e a venda das terras, morreu pobre, mas com os filhos já criados, trabalhando a terra.

terça-feira, 21 de março de 2017

Ausência

Não será a ausência a mais certa, a mais eficaz, a mais intensa, a mais indestrutível, a mais fiel das presenças?

Marcel Proust

segunda-feira, 13 de março de 2017

Texto importante de José Castello

Braga de binóculo
José Castello
A literatura pode servir de antídoto para um mal que contamina nosso mundo: a rigidez. Ideias sólidas demais tendem à insensibilidade e à indiferença, tendem ao esvaziamento e à repetição. Tendem ao terror. Mundo técnico, de números, de planilhas, balancetes e manuais, mundo fascinado pela exatidão e pela perfeição, nosso mundo perde, aceleradamente, o gosto pelo relativo que, afinal, é não só o que tempera a existência, mas também o que a torna possível. Perde o gosto pela sutileza. A relatividade acentua os contrastes e confere gosto à vida. Torna-a diversa. Ela é o sal do mundo.
Uma pesquisa para um projeto de Selma Caetano a respeito das relações intensas entre Rubem Braga e o Rio de Janeiro me leva a uma bela crônica, de julho de 1958. Falo de “O gavião”, um dos destaques de “Ai de ti, Copacabana”. Uma reflexão sutil a respeito do peso do relativo em nossa existência. Do peso da diferença. É uma história simples. Cena que o cronista, com paciência e resignação, observa à distância. Um gavião ameaça uma pomba. Em um reflexo, Braga logo toma partido da pequena ave. Pouco depois, porém, ele se detém para uma reflexão mais minuciosa, que o conduz a uma postura paradoxal. Pode também tomar partido do gavião _ e, mais grave ainda, pode entender o impulso que move seu caçador.
Escreve Braga, no trecho que me interessa aqui: “Não tomarei partido; admiro a túrgida inocência das pombas e também o lance magnífico em que o gavião se despenca sobre uma delas. Comer pombas é, como diria Saint-Éxupery, ‘a verdade do gavião’, mas matar um gavão no ar com um belo tiro pode também ser a verdade do caçador”. Prefere a prudência. Prefere a sabedoria de acolher o que não suporta, o que não é seu. Prefere acatar a diferença.
Trecho incômodo e sobretudo perigoso, já que, aos apressados, pode parecer que o cronista defende não só a violência gratuita, como a mais odiosa violência dos homens contra os animais. Não é isso que faz. Ele não faz, ele mostra _ que, para cada passo, há sempre um argumento possível e há sempre um contrário, ainda que o outro lado o veja como indefensável. Questão difícil _ questão ética, que fala de princípios mas também de necessidades. Todo esse terreno pantanoso onde nos afogamos, mas no qual a literatura entra não para resolver isso ou aquilo, não para tomar partido (não existe literatura partidária), mas para iluminar o que não suportamos ver. Suportar a ver, na verdade, o que? Ver a diferença e celebrá-la.
Braga me remete a Rafael Argullol que, em seu “Breviário da aurora”, define a relatividade assim: “Todos os centros são periferia”. É uma ideia igualmente bela, mas perigosa, ou perigosa porque bela. Pois com ela despencam todas as escalas de valores, diluem-se todos os centros, o mundo se torna apenas borda. Onde pisar? Mas ela se torna uma ideia sábia se nos ajudar a ver que também os valores (nossos valores) são relativos. Não passam de ideias frágeis. São apenas um centro, entre vários centros. Não para desprezá-los, ou ao contrário para acatá-los com desgosto e submissão, mas exatamente para isso: para relativizá-los. Enfim: para suavizar o mundo e desprezar as bocas com dentes arreganhados que proliferam por toda parte.
Enquanto leio Braga, “tenho fé” em Braga. Mas isso não me impede de, logo em seguida, fechar “Ai de ti, Copacabana” para abrir um livro de crônicas de Clarice Lispector, ou de Nelson Rodrigues, para lê-los com a mesma “fé”. É tudo uma questão de liberdade interior. Uma questão de saber exercer a liberdade, de aproveitar-se da grande abertura que a liberdade promove no mundo. Sem o coração livre para acatar, mas também para renegar, ninguém se aproxima verdadeiramente da literatura. Esta é a única exigência: não ter as mãos atadas. Estar sempre pronto para olhar para o outro lado.

O texto acima, de José Castello , foi publicado originalmente no blog do autor : http://oglobo.globo.com/blogs/literatura/

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Confira o Tweet de @gregdantas: https://twitter.com/gregdantas/status/696877459581595649?s=09

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Lendo "O Conde de Monte Cristo" na minha cabeça

Ontem, ao jantar, pensei em Edmond Dantes e como ele e o Padre Espada superaram anos e anos de refeições inglórias, provavelmente batizadas. O cozinheiro da prisão, provável sacana, devia se refastelar sabendo que os presos tinham que comer aquilo, tivesse colocado ele o tempero que fosse. 

Ler romances deste jeito, mesmo que os tenha folheado há tanto tempo, fica bem melhor assim. 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Machos suicidas

Um texto interessante e provocador sobre suicídios e homens, para além das questões de gênero. Realmente gostaria que alguém sério dissesse algo sobre isso:

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/12/ciencia/1452596072_476100.html

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

http://www.poesiaamao.com.br/155o-poema-da-semana-06out2015/

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Instantânea #01

- Olha, é preciso ter consciência...
- Consciência? O que é isso? Nunca tive...

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Il poeta Ghérasim Luca legge "Passionnément"

https://youtu.be/16ltchO5Vpw

Mudança no mote da bagaça

A frase que encontrei no El País é ótima!

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/14/tecnologia/1439561569_623548.html

Agora o mote do blog vai ser:

Cada alma é e se torna o que ela contempla.
Plotino