sábado, 12 de setembro de 2009

Hiroshima, de John Hersey


O último bom livro lido, Hiroshima, do jornalista americano John Hersey, traz nuanças interessantíssimas (e tétricas, evidente) do evento que marcou o fim da Segunda Guerra e a entrada do mundo na era da Guerra Fria de vez.
A maneira de conduzir a exposição dos eventos narrados por seis sobreviventes (ou hibakushas), é um ótimo parâmetro de reportagem, expressão humanizada dos relatos, ao tentar manter o fio condutor da narrativa de todos os envolvidos, as relações existentes entre essas seis pessoas que recusaram a rotulação de vítimas.


"No dia 6 de agosto de 1945, precisamente às oito e quinze da manhã, hora do Japão, quando a bomba atômica explodiu sobre Hiroshima, a srta. Toshiko Sasaki, funcionária da Fundição de Estanho do Leste da Ásia, acabava de sentar-se a sua mesa, no departamento de pessoal da fábrica, e voltava a cabeça para falar com sua colega da escrivaninha ao lado. Nesse exato momento o dr. Masakazu Fujii se acomodava para ler o Asahi de Osaka no terraço de seu hospital particular, suspenso sobre um dos sete rios deltaicos que cortam Hiroshima; a sra. Hatsuyo Nakamura, viúva de um alfaiate, observava, da janela de sua cozinha, a demolição da casa vizinha, situada num local que a defesa aérea reservara às faixas de contenção de incêndios; o padre Wühelm Kleinsorge, jesuíta alemão, lia a
Stimmen der Zeit, revista da Companhia de Jesus, deitado num catre, no terceiro e último andar da casa da missão de sua ordem; o dr. Terufumi Sasaki, jovem cirurgião, caminhava por um dos corredores do grande e moderno hospital da Cruz Vermelha local, levando uma amostra de sangue para realizar um teste de Wassermann e o reverendo Kiyoshi Tanimoto, pastor da Igreja Metodista de Hiroshima, parava na porta de um ricaço de Koi, bairro oeste da cidade, para descarregar um carinho de mão cheio de coisas que resolvera transferir para ali por temer o maciço ataque dos B-29, que a população aguardava. Uma centena de milhares de pessoas foram mortas pela bomba atômica, e essas seis são algumas das que sobreviveram. Ainda se perguntam por que estão vivas, quando tantos morreram. Cada uma delas atribui sua sobrevivência ao acaso ou a um ato da própria vontade — um passo dado a tempo, uma decisão de entrar em casa, o fato de tomar um bonde e não outro. Agora cada uma delas sabe que no ato de sobreviver viveu uma dúzia de vidas e viu mais mortes do que jamais teria imaginado ver. Na época não sabiam nada disso".

Kiyoshi Tanimoto, reverendo metodista formado nos EUA, é uma personagem marcante: sua postura abnegada, incansável e, por vezes, ingênua, de tentar expor o evento de maneira a traduzir, mesmo que parcialmente (já que discursou a plateias em várias localidades dos EUA), é a força motriz da narrativa. Por meio de sua incansável vontade em auxiliar a todos da melhor maneira possível, perambulando por entre as outrora ruas e casas existentes, são mostradas as cenas mais desoladoras e, simultaneamente, aquelas em que percebemos o esforço dele (e do repórter) em tentar resgatar a humanidade quase extirpada no evento. Leitura difícil, dada a natureza do tema.

Um comentário:

Gregório Dantas disse...

Livro difícil, mesmo. Mas muito bom. Gostei muito do trecho que você selecionou!