O escritor inglês Bruce Chatwin (1940-1989) produziu uma das obras mais interessantes do último século, mas, já é bom adiantar, polêmica e controversa.
O primeiro aspecto se deve a algumas escolhas adotadas em sua produção literária, como a adoção do gênero de relatos de viagem que, ainda dizem críticos (e amigos meus), estaria morto e/ou inviável no século XX, já que não há mais terras virgens. No entanto, sua prosa resolve muito bem esses supostos impasses, ao propor uma viagem particular e sentimental, ao estilo de Tristan Shandy, por entre locais relativamente inusitados e personagens singulares, porque inóspitos.
Já a controvérsia de seus textos fica por conta da falta de comprovação da veracidade dos relatos narrados e da contestação do retrato da personagens apresentados como reais pelos próprias pessoas retratadas. Um dos supostos meios para comprovação da veracidade de um relato de viagem, pelo menos quando esse gênero ainda estava em voga até o começo do séc. XX, seria sua confrontação com outros relatos e com o testemunho das personagens retratadas. Porém, estamos diante de um escritor despótico, que traz ao leitor a noção clara de que o autor é ele. Algo que o biógrafo de Chatwin, Nicholas Shakespeare retratou da seguinte maneira: "Chatwin contava não uma meia verdade, mas uma verdade e meia". Assim, Chatwin é um escritor-viajante à sua maneira: absorvia a matéria de que tratam seus romances em uma cuidadosa e selecionada investigação bibliográfica, para daí extrair um caminho a ser percorrido in loco em suas viagens.
Em "O Rastro dos Cantos", ele viaja à Austrália, para conhecer a gênese mítica dos aborígenes daquele continente. Já baseado em estudos prévios, ele se serve da matéria que encontra para investigar um elemento singular da natureza humana: o nomandismo. Tema evidentemente vasto e interessantísmo, Chatwin tem necessidade de estabelecer uma tese no fim do livro, pois, ao estruturar a obra entre o relato de sua viagem pelo interior do outback australiano e a formulação de uma proposta para explicar nossa precisão irresistível pela deambulação. Pelo menos, as citações de estudos antropológicos e paleontológicos e de entrevistas com seus autores mostra uma visão, se não hermética, pelo menos não desavisada.
Talvez advenha desse elemento a explicação para o interesse de Bernardo Carvalho em traduzir a obra para o português, pois, em seus romances, Carvalho demonstra como marca de estilo própria à sua prosa a presença de personagens-viajantes.
Identidade e alteridade serão assuntos correlacionados ao gênero de literatura de viagens e aos romances pós-modernos. Ambos se aproveitam desse aspecto para compor narrativas marcadas, cada qual à sua maneira, pelas impressões e pelo estranhamento.
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