quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Jungle and Saibs


Surpresa e confirmação em meu primeiro e ansioso contato com os contos de Kipling, através da coletânea O Homem Que Queria Ser Rei e outros contos selecionados, da editora Landmark. Sua visão sem concessões da vida na Índia reflete o ímpeto de muitos de seu tempo: de que as colônias não querem perceber-se como tais; é sempre necessário separar a barbárie do meio em que se vive, seja quem for aquele nomeado como o estranho.

Essa busca por um meio em que não houvesse relações de dominação e submissão foi tão forte que moldou o modo de vida cotidiano, os métodos de gestão administrativa, a arquitetura e as relações sociais na Índia. Na jungle, permite-se tudo, e o controle social se restringe a um menear de cabeça. Toda a Índia, um estado de exceção. Um dos personagens mais singulares desta reunião de contos, o telegrafista indiano Gunga Dass, explicita muito bem a questão no conto “A Estranha Cavalgada de Morrowbie Jukes”. Quando Jukes, inconformado com sua situação (como havia caído em uma furna, cuja possibilidade de fuga era remota, destinada àqueles que aparentemente teriam morrido, seriam cremados, mas sofriam na verdade de catalepsia; um Chateau D’Ivy perdido no meio do nada para mortos que ainda vivem), pergunta a Gunga como se vivia e passava o tempo em meio aquela privação. Sua resposta:

“Isso”, disse ele, com (...) riso asmático, “você poderá ver logo mais. Você terá muito tempo para fazer observações. Este lugar é como seu paraíso europeu; não há noivados e nem casamentos”.

Em outro conto, “Berra Berra Ovelha Negra”, é inevitável não pensar na relação deste relato autobiográfico com Campo Geral de Rosa: um menino crescendo, a literatura como escape, a cegueira, a infância em privações, o ambiente opressivo da família em contraste à natureza. Rosa recomendava àqueles que queriam iniciar suas leituras, entre outros, Kipling, a quem nutria grande admiração.

Há estórias que narram o cotidiano da caserna, o ambiente dos quartéis dos exércitos britânicos arregimentados, em contato estreito com a comunidade, seja através da relação de servidão (pois soldados de origem indiana - Sihks, nepaleses Gurkhas, etc - não podiam ascender a postos mais altos do que o de 1o. sgt.) ou pela repressão (devido ao número considerável de levantes das etnias ainda não cooptadas, sempre temidos pelos quadros administrativos e governantes ingleses da Índia). Mas, na maior parte do tempo, a luta era contra o tédio (conto "Wille Wee Winkie") ou contra o clima e as doenças tropicais (conto "Apenas um Subalterno").
Os contos fantásticos são caso a parte: “O Riquixá Fantasma” é digno de relatos de Poe e Conan Doyle. Doença? Obsessão Espiritual? Manifestação demoníaca? Loucura? Para o médico que trata do enfermo, que dizia ver em todos os locais a mulher morta com quem teve um caso, tudo era causado por um distúrbio “gastro-neuro-ocular”. O tal cientificismo também está ali, para “negar” o horror.

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