quarta-feira, 27 de junho de 2007

Prazer. Literatura!

Impressões pessoais sobre cinema e literatura

Meu contato com a literatura através do cinema sempre foi freqüente. Assumo que, quando vou ao cinema ou alugo um filme, privilegio escolher filmes produzidos em torno de obras literárias ou tento buscar referências literárias em filmes que assisto (o que quase sempre ocorre, devido à relação estreita entre estas duas artes).

Atualmente, para muitas pessoas, o cinema tornou-se primeiro contato com as mais variadas formas de atividade humana. A literatura não foge à regra. Somos uma sociedade já permeada pela influência incisiva de mídia, que concorre concomitantemente com a aquisição da escrita e o contato da palavra literária. Hoje, o homem moderno (e o brasileiro, de um modo geral) possui uma visão sobre a literatura pesadamente influenciada pelo formato cinematográfico ou televisivo típico, comportamento esse que exclui qualquer tipo de manifestação artística diferente do padrão exibido pela TV.

Os cineastas e as novelas tomaram a literatura como fonte de inspiração e de emulação, pois são quase inesgotáveis as adaptações de clássicos da literatura mundial ou de romances contemporâneos para as telas. O formato folhetinesco das novelas apresentadas no Brasil segue o padrão típico (como estrutura narrativa) apresentado pelos romances do séc. XIX. Por outro lado, o folhetim e o romance, publicados em jornais e periódicos como outrora, já não apresentam a mesma receptividade de outrora, provavelmente porque a televisão e o cinema são elementos midiáticos que não exigem domínio proficiente da palavra escrita, o que amplia o número de espectadores (leia-se “LEITORES” em amplo sentido) de maneira exponencial. Uma recente alternativa para o folhetim tem se manifestado através da internet (através de blogs e de outros formatos digitais).

Sempre que possível, tento fornecer, através do cinema, fontes de teor literário para os alunos aos quais leciono, desde que o enredo tenha relação direta com temas presentes em conteúdo programático da disciplina. O que é difícil, se pensarmos que ótimos filmes são relegados a segundo plano pelos próprios alunos antes mesmo de sua exibição, já que os parâmetros de escolha são normalmente associados a aspectos periféricos do filme. Por exemplo: não raro ouvimos “O filme é preto-e-branco? Puxa, deve ser velho. Então, deve ser chato” ou “Esse filme é francês? Bom, filme europeu é parado; então, deve ser chato também”, sem que a pessoa assista o filme antes de formular alguma impressão que lhe seja própria.

O espectador, condicionado a esta situação, elimina sem saber a possibilidade de se surpreender e maravilhar-se com grande parte da produção cinematográfica mundial (que não é produzida dos EUA, ou que não é produzida para ser sucesso de bilheteria). Cyrano (Drama. França, 1990), filme baseado na peça de Edmond Ronstand, é o grande espetáculo do cinema francês em ação, em um formato acessível: não é necessário para o leigo em literatura francesa saber que a peça foi escrita em versos, adaptados em relação ao original; é um filme europeu e, para muitos, torna-o indigno de ser visto. Casablanca (Romance. EUA, 1942) é um típico folhetim, é preto-e-branco e certamente é uma das produções cinematográficas mais marcantes, em vários aspectos, mas é eliminada para escolha por espectadores de hoje, porque foi produzida em um período de filmes B em preto-e-branco e realizada com poucos recursos. Titanic (Drama/Romance. EUA, 1997) também é um folhetim, mas é uma produção recente, realizada a custa de grande e variado investimento. O efeito sobre os espectadores, cada um a seu tempo, foi o mesmo: manifestações de emoção incontida, choro compulsivo. Mas já não agradam tanto hoje como fizeram antes, pois já são considerados “velhos”, mesmo o caso de Titanic.

Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society, Drama. EUA, 1989) não é um filme que tenha este perfil que descrevi acima. No filme, um grupo de estudantes de ensino médio de um internato austero dos EUA desenvolve, através das aulas de literatura de um carismático professor, uma forma libertária de encarar o mundo. Não porque seja diferente dos casos apresentados anteriormente (também é um folhetim, baseado em uma obra literária, com relativo sucesso, embora já considerado um pouco “velho”), mas, devido ao tema abordado, este filme no Brasil adquiriu status de filme cult, reverenciado predominantemente por pessoas interessadas por literatura de uma maneira ampla e que se identificam com os protagonistas e as tramas peculiares do enredo.

Antes de mais nada, o filme trata de pessoas entusiastas da literatura, que descobrem, neste campo tão vasto e quase indefinível do conhecimento humano, um sentimento de irmandade. Reconheçamos que este filme é uma maneira até válida de inserção na literatura. Mas, atenção: não é um filme sobre literatura, ou leitura. Nenhuma obra é discutida com certa profundidade no enredo. Carpe Diem, motivo da poesia latina e renascentista de teor epicurista, torna-se discurso panfletário, grito de revolta. “Olha, gente. Também gosto de literatura! Ai, ler é tão bonito...” Carpe Diem estampado na camiseta da turma do colégio ou do curso de letras, no caderno, na agenda, o nome de grife, na tatuagem.

Ser simpático da leitura de obras literárias do cânone como atividade é uma coisa. Ser um leitor efetivo destas obras literárias é outra. É ótimo que a pessoa tenha algum contato com o universo literário, e ler é sempre experiência enriquecedora. No entanto, há pessoas que dizem gostar de ler, mas não gostam de fato (o que também não é errado), porque temos uma associação errônea, ao meu ver, entre leitura e prazer.

Esquece-se de que a leitura pode ser feita segundo outro fator: o da necessidade. Leio porque preciso (informar-me, dominar técnicas, situar-me no mundo). Se a leitura de obras literárias pode ser um meio de autoconhecimento, ótimo. Se esta leitura é fonte de prazer, muito bem. Mas esta admiração pelo ato de leitura não substitui o exercício efetivo e proficiente da leitura, o que requer certa dedicação para alguns; para outros, é motivo de obsessão. O público em geral mantém uma relação análoga com o cinema. Há leitores e leitores, assim como há espectadores de filmes de diversos perfis. Afinal, há sempre histórias que nos convém, ou não.

Por fim, voltemos à questão: o filme Sociedade dos Poetas Mortos vale a pena ser visto? Sim, claro. Nem que seja para nos dizer: “Muito prazer. Literatura!”

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito de Sociedade dos poetas mortos quando assisti pela primeira vez. Eu era moleque, estava na escola, e fiquei encantado.

Na Faculdade, foi um inferno: o filme foi usado em uma famigerada aula de pedagogia, o que lhe tirou todo o encanto anterior.

Hoje, acho que vou gostar. A idéia da Sociedade Literária Secreta, naquele contexto, é mesmo contagiante. Vou rever assim que puder.